A racinha do Pajé era uma gangue infanto-juvenil que atormentava minha infância. Rivalizava com ela, tanto na imaginação das crianças da 4ª série daquele colégio de freiras, quanto nas ruas, a racinha do Capeta.
Sempre tive medo do Pajé e do Capeta. Tinha um primo mais velho, o Jão, que era especialista em inventar casos e os casos sobre a bravura, violência e atitudes brutais das racinhas do Pajé e do Capeta e algumas dessas histórias eram especialmente cruéis, como naquela onde o Capeta, em pessoa, laçou a namoradinha de um menino da 5ª série e levou ela amarrada dois quarteirões sob os olhares acovardados de toda a molecada.
Eu tinha medo!
Qualquer aglomeração de moleques entre 10 e 15 anos era motivo para minhas pernas tremerem e eu mudar o percurso, literalmente "cortando a volta" daquele grupo de crianças que poderiam (ou não) ser uma dessas racinhas.
Antes de mais nada, vou explicar o termo racinha. Esse termo vem de raça, que segundo o dicionário Aurélio é a sucessão de ascendentes e descendentes de uma família, um povo; geração, mas também pode ser a Categoria de pessoas da mesma profissão, de inclinações comuns: os usurários constituem má raça.
Assim, racinha seria o diminutivo para raça e a segunda definição do Aurélio é a que melhor se aplica. Portanto a racinha do Pajé e a racinha do Paçoca nada mais eram que um bando de delinqüentes juvenis que atormentaram minha.
Acontece que no meio dessa história surgiu o Paina. Paina era um rapaz de 15 ou 16 anos, alto igual a uma paineira e por isso seu apelido.
Repetente que era, estudava com as crianças da 5ª série mesmo tendo idade para estar no segundo grau.
Todo mundo queria ser amigo do Paina, não porque ele fosse o cara mais legal do mundo, mas porque ele, que era uma versão mirim e abrasileirada do Rambo, botava medo nos membros das racinhas do Pajé e do Capeta. O Paina por perto era sinônimo de proteção e segurança. Eu mesmo fui amigo do Paina por intermédio do meu primo Jão que estudava no PREMEM (colégio público da periferia da minha cidade) e de lá conhecia nosso herói.
O Paina era o que queríamos ser, apesar de ser completamente relapso nos estudos e, por assim dizer, o burro da turma, ele era famoso e fama nessa idade é a moeda do poder. Não tinha medo das racinhas, era popular entre as meninas e jogava futebol melhor que o resto da rapa. Assim, quando o Paina começava a contar suas aventuras todos queriam ouvir, porque, sendo ele herói da turma, suas conquistas eram como se fossem nossas próprias conquistas.
E para mim, mais ainda, porque naquela época eu estudava em um colégio católico e não tinha o menor contato real com o submundo romantizado da delinqüência juvenil. Eu achava aquelas histórias o máximo.
Tudo ia bem até que um dia a racinha do Pajé se desmanchou (ele foi estudar em outro colégio) e a do Capeta não tardou a seguir o mesmo caminho. O Capeta agora trabalhava como Office boy em um escritório e, estudando a noite, não tinha tempo para dedicar-se a sua organização.
E quando acabaram as ameaças ninguém mais precisava ser amigo do Paina. Ele que há pouco era o herói da turma, passou a ser o chato e insuportável do grupo com aquela empáfia nórdica e do alto de seus um metro e setenta e cinco, ninguém mais queria ser amigo do Paina.
Eu mesmo fui um dos primeiros que não queria mais ser amigo dele, a mim seguiram-se outros e outros. O Paina ficou esquecido, adormecido igual à paineira do colégio católico onde eu estudava.
Lembrei dessa história porque a Paineira do colégio de freiras continua lá, a vi ontem, já o Paina...